terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Mantra de gratidão


Entre o corredor e o quarto:
Entre a porta do quarto e a cama:
Entre deitar na cama e segurar sua patinha:
Entre as memórias de doze anos de companhia - entre cada uma delas, no intervalo entre uma cena e outra desde a gaiolinha de filhotes:
Entre os telefonemas aos veterinários e as seringas que esguicham água de côco na sua boquinha por mais que você odeie isso - eu sei, eu sei:
Entre limpar suas feridinhas e ajeitar o cobertor:
Entre cada pensamento e o próximo:
Entre cada palavra de cada pensamento, exatamente no espaço em branco entre elas:
Entre cada duas letras de cada palavra antes mesmo que ela se forme:
No vácuo em branco dentro de cada letra quando elas se fecham como um pê ou um quê ou até mesmo que só tenham uma abertura para baixo como um agá por exemplo:
Entre agora e o inimaginável depois da eutanásia de hoje à noite quando você tiver partido para o paraíso dos gatinhos onde chovem sardinhas todos os dias e voam insetos que você tenta apanhar numa nuvem de luz onde nada mais vai ser menos que maravilhoso ou provocar miadinhos de insatisfação nem reclamações com os olhos arregalados e só vão murmurar para você com a boca apertando um eme as músicas que você gosta enquanto ouvem sua barriguinha roncar nos momentos de descanso agora e para sempre repetindo a palavra até que ela perca o significado e me assuste tentando recuperar o que é isso o que foi isso o que será isso ou será que isso existe exatamente assim como eu sonharia que existisse num outro tempo se a gente não precisasse morrer nunca:
Amor.

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