Estava solto demais, ignoto ao seu eu-profundo, para perder seu tempo com veículo tão velho. Sempre pela manhã, sonhava com o carro do infrator ao lado, por aonde quer que o fosse, havia algo a ser invejado: semáfaro, vaga no estacionamento etc.
Almejava mais quando olhava pro novo disco de Noel Rosa que ganhara de Noêmia. Empoeirado, à deriva, o disco o olhava com rispidez, ele sem reação, chocado, almejava os carros alheios a si.
Sempre aos sábados levava o rubro fosco fusca à lavagem e polição. Estava certo de que aquele seria o seu triste e inacabável fim: dirigir um fusca na capital do Ceará.

Às vezes sentia raiva, nos dias ensolarados de domingo, quando Noêmia insistia em ir à praia, somente por conta de um impecílio, o tirava do sério: o fusca. Além do mais, tinha Tupã à fazer-lhe companhia nas quentes e densas areias da praia, enquanto Noêmia bronzeava, Inácio entornava a sua cerveja sagrada.
Não sabera ele, meu Deus, que seu único, trágico e grande motivo para intercalar a sua felicidade com Noêmia e Tupã, entre flores e beijos, era o fusca.
Fusca que depois de tanta companhia à Inácio resolvera fundir o motor na avenida principal rodovia que liga Fortaleza à uma pequena cidade que me falha a memória agora: enfim, havia um destroço de fusca e uma ex-vida quase perfeita.
Um velho cachorro e uma curiosa dama de olhos chorosos esperam por um novo dono de família no orfanato mais próximo de sua casa. Enquanto isso, a saudade existe sem fim
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